A Noite

Esse é mais um conto criado com meu irmão Thiago, o qual eu tenho orgulho de mostrar pra vocês, começou com um jogo e acabou se tornando uma impressionate estória.



Categoria:  Ficção 
Gênero: Ação, Aventura, Drama
Recomendação: +10



Capitulo 1

Era uma noite de sábado, e andava distraída pela rua...
A noite caia como uma noite de inverno, o vento cantarolava entre os prédios da cidade e a iluminação estava se afogando na escuridão que a cada paço parecia não ter fim...
Sentia o vento frio chicotear sua face e a solidão de uma rua recentemente abandonada, cobrindo mais o corpo procurando proteger-se da noite.
Mais adiante uma luz parecia dar outro visual para o cenário, ela vinha de um pequeno recinto que recebia as pessoas e as mesmas o chamava de café. Os desavisados no inverno buscavam ali algo que pudesse esquentar todo o corpo como um fogo que nunca se extinguisse. E por alguns momentos sentir um leve relaxamento naqueles dias gélidos.
Olha para o relógio e pensa que poderia dar-se a esse luxo por ao menos poucos minutos, pois não poderia demorar muito já que tinha um caso a resolver, não seria fácil e o tempo era muito importante. Só de lembrar seu corpo inteiro se arrepiava, não, não seria fácil... O que estaria por vir?... Só Deus poderia saber, mas resolveu não pensar mais nisso e entrou no café, assim que abriu a porta, aspirou um gostoso aroma que já não sentia há muito tempo e o calor tão almejado vinha de uma lareira que se mostrava mais clara e quente do que nunca, pelo menos para os presentes no local. Alguns dariam tudo por um único momento ali perto daquela lareira para espantar o frio, mas o senhor que acabava de levantar não, ele estava saindo e parecia preocupado e a estranheza estava estampada em seus olhos escuros e cabisbaixos pelo tempo. Ele se levantara logo ao ver a moça entrar no Café, o que será que pensara o velho homem?
Sentiu um calafrio percorrer seu corpo quando seus olhares se cruzaram, talvez fosse melhor nem saber, vai até o balcão e pede um capuchino dirigindo-se até a uma poltrona perto da lareira em seguida.
A lareira soltava um leve estalo da madeira que queimava rubra e ia se desfazendo em cinzas de tonalidade claras. O velho senhor pareceu ser por instantes aquela madeira, seu jeito de andar e a impressão que causava nas pessoas era forte como o fogo rubro, mas sua expressão facial não era a mesma coisa, parecia cinzas que iam se soltando aos poucos... E se soltou mesmo, ao andar mais adiante no café e pegar seu velho chapéu negro, deixa cair algo no chão, é bem sutil o movimento do pedaço de papel envelhecido que deixara cair, o vento fez sua parte, soprando o papel para perto da poltrona que a moça escolheu se sentar. O velho senhor saíra do local naquele exato momento.
Observando a situação ela pega o pedaço de papel entre os dedos, levemente surpreendida, pensando no que fazer, talvez se corresse ainda pudesse alcançá-lo, suspira um tanto contrariada olhando para fora, mas logo percebe que não seria possível, pois ao olhar para fora ela vê que o senhor acabara de fechar a porta de um táxi, e este foi andando para se perder na escuridão daquelas ruas.
Pronto, suas esperanças se acabaram, bom, ao menos não teria que ir tão cedo para o frio novamente, girando abre o papel envelhecido e vê apenas a seguinte seqüência de caracteres:- Rua: Arlinghton 1678.
A caligrafia aparentava pressa na escrita e não era de hoje, pois o papel já estava amarelado.
Aquilo a deixara intrigada, olha em volta e dobra o papel novamente guardando-o no bolso, seja lá o que significasse não ia saber, mas era melhor guardar, só por precaução.
Enquanto lia, algumas pessoas se levantavam de suas cadeiras e do conforto especial que a lareira as trazia e deixam o recinto. Um vento esquisito começava a cantar entre as paredes do café, em notas do grave ao agudo... Um rapaz olhava para a janela para tentar verificar de onde vinha o vento, mas sem sucesso volta até sua cadeira e dá a última golada em seu café escuro.
Temerosa com aquela ventania, termina seu café e esfrega as mãos, “hora de ir” veste o sobretudo olhando o relógio e abrindo a porta do café.
O vento não passava por todos os caminhos, existia um pequenino entre as paredes da rua em que se podia caminhar sem as agulhas frias picarem os corpos, e era ali que estava uma figura fumando um cachimbo, olhava prontamente para o poste refletindo a luz em seus grandes olhos verdes. Ele se virara para ver um carro que se aproximava.
Subindo as lapelas do sobretudo, sentindo o vento gelar sua face estranha o momento e local que aquele homem escolhera para fumar e se pergunta o quão grande deveria ser seu vicio ou maluquice, ao ver seu rosto para abruptamente, conhecia aquele rosto.
O homem com o cachimbo na boca depois de ver o carro olha para a moça e expressa um sorriso, seguro de si, ao mesmo tempo fica parado ali ainda na mesma posição.
Talvez houvesse sorrido em retribuição, bom ao menos sentiu sua boca se mexer. Ficou alguns segundos ali parada, sem saber o que fazer, mas um vento frio fez com que se lembrasse que iria se atrasar e tentando se manter quente volta a andar.
O "homem do cachimbo" fecha seu casaco marrom e se aproxima para conversar com a moça, com passos sutis se aproxima e diz com uma voz calma e suave - "Olá, parece um pouco apressada”- sorri - "Posso lhe dar uma carona se não se incomodar"
- Não, eu não preciso, muito obrigada. - Apressando mais o passo em esperança de deixá-lo para trás e poder continuar seu caminho
- Desculpe; não se preocupe; lhe aconselho a ir perto da parede que parece o vento estar mais calmo – sorri – Me chamo Davis, até mais senhorita. – Falava calmo e ia se afastando devagarzinho para não deixar a moça com medo.
Abaixa a cabeça começando a se envergonhar do que havia feito, talvez fosse melhor pedir desculpas, e se ele tivesse algo importante para lhe dizer? Diminuindo o passo olha para trás com o semblante franzido
Ele sorri novamente para a moça e tira seu casaco mais grosso oferecendo para ela "Vista e não se preocupe, vou lhe levar para a casa.” sua voz não alterava o tom anterior e ele parecia radiante como antes, mas ela não se move pensando se deveria mesmo fazer aquilo. "Quem é esse rapaz tão sorridente? De onde eu o conheço? Por que ele é tão gentil?”
O rapaz percebe a dúvida da senhorita e aponta para o carro fazendo sinal para ela entrar.
- Vamos lá!! Não se preocupe chegará logo em sua casa e com segurança. - Abre a porta educadamente para ela entrar
Suspira não muito convencida fechando mais o seu agasalho e entrando no carro. Para ela tudo aquilo era uma grande loucura, evitava pensar muito no que estava fazendo, pois quando o fazia idéias horríveis viam-lhe a mente, sentia-se como uma menina de 5 anos sendo convencia a passear com um estranho, porém estava muito cansada e não desejava andar até sua casa naquele frio.
O rapaz sorri alegremente e entra no carro ligando-o
- A senhorita pode ficar tranqüila, chegaremos dentro de instantes, olhe o céu e aproveite a brisa que entra pelas frestas do carro. - Ele regulava a brisa para ser apenas um pouquinho para não ficar gelado
A moça nada diz, afunda-se no banco do carro olhando para os dedos aninhados parecendo nem ouvi-lo. Estranhamente aquele rapaz lhe passava certa confiança, entretanto faria com que ele a deixasse algumas ruas antes de sua casa.
Ele sorri vendo a desconfiança, mas a credibilidade que a moça lhe deu aceitando a carona, sua teoria estava certa no fim.
- Hoje por incrível que pareça conseguimos ver o céu bem e seus pontos luminosos, logo chegaremos a sua casa. - Sorria entusiasmado
Limita-se a lançar-lhe um olhar e pronunciar um “Hum”, tinha a testa frisada e mordia o canto do lábio, aparentemente lutava consigo mesma, por fim decide perguntar
- Sabe quem sou?
- Sei sim senhorita, te conheço há muito tempo... Mas sua mente não se lembra agora, não se preocupe e fique tranqüila, pode parecer esquisito, mas é um fato normal. - Ele fala com calma num tom suave em busca de acalmá-la para as palavras que acabava de dizer.
A mulher continua o observando frisando ainda mais o semblante
- Do que está falando?
- Teremos tempo para conversar disso não se preocupe, além disso, está chegando para descansar em sua casa. - Sorria mostrando-a.
Arregala os olhos em um misto de surpresa e pavor. Ele sabia onde ela morava sem a mesma nada ter dito. Fica ligeiramente pálida e com as mãos tremulas tenta abrir a porta do carro.
O rapaz olha assustado - Espere, não fique com má impressão de mim, por favor... - abaixa os olhos sem muito jeito - Me desculpe e sinta-se a vontade para ir embora, realmente desculpe - ele parava o carro e ficava quieto ao lado.
O coração da moça batia descompassado e todo seu corpo estava em estado de alerta, porém ao ver a reação de Davis algo dentro dela se compadece e fica estática sem saber o que fazer, olhava para a figura ao seu lado, matinha as mãos repousadas no colo e voltava a morder o canto do lábio.
Davis esboça um sorriso inocentemente tentando passar tranqüilidade para a moça e diz com calma.
- Vá descansar senhorita, hoje seu fim de noite foi um pouquinho agitado. - Sorri de novo apontando a saída para ela
Rebecca sai do carro com a cabeça baixa e o corpo ainda tremulo, sentia um nó na garganta e muito tinha que se conter para não chorar, não entendia o que se passava, quem sabe tudo aquilo fosse apenas um sonho... Com passos incertos e vagarosos anda em direção a sua casa.
O misterioso Davis liga o carro e sai devagar sem chamar a atenção da moça para não deixá-la mais preocupada, ele sabia que tinha sido um fim de noite difícil para ela e ainda estaria sendo... Porém cumpria sua parte.

Capitulo 2

Rebecca levantara-se cedo, não conseguira dormir direito aquela noite pensando nos eventos ocorridos, em cima da mesa estava o pedaço de papel que ela pegara no café que o estranho senhor deixara cair. Olhava-o fixamente com uma xícara de café na mão como se aquelas informações aparentemente irrelevantes pudessem responder a todas as suas perguntas.
A luz do dia transpunha as janelas da cozinha de Rebecca, trazendo o sol, como um convite para um novo e empolgante dia. A senhorita se ocupava perdida em pensamentos, entretanto um barulho, mais parecido com um estalo, lhe chama a atenção para outro local.
Envolvendo o laço de seu roupão na cintura caminha em direção ao local onde ouviu o barulho em busca do que o produziu. Chegando ao local vê que algo derrubara o vaso de uma de suas mesas, caindo perto de um telefone, uma situação um pouco esquisita, porém não o bastante para prender sua atenção.
Apressando-se para que a água do vaso não caísse no telefone, coloca-o no lugar e vai até a cozinha pegando uma flanela para limpar a sujeira.
Voltando da cozinha com a flanela em mãos, Rebecca se depara com o papel que encontrara ontem no café e percebe algo esquisito com o mesmo. Ele parecia ter uma leve cor amarelada olhando de relance na luz, como se o tempo tivesse envelhecido apenas aquela parte do mesmo. Aproximando-se da mesa curiosa observa o papel cuidadosamente com o semblante franzido tentando entender o que estava acontecendo.O papel era um tanto diferente naquele ponto, se olhasse bem de perto poderia perceber que ali tinham algumas riscas diferentes que poderiam corresponder a uma marca se fosse ampliada.
Suspirando ela desvia a atenção do papel, aparentemente vencida e se volta para a sua missão.
Entretida com a limpeza Rebecca escuta algumas batidas leves e prolongadas vindo da porta da frente de sua casa, não pareciam batidas conhecidas pelo jeito.
Surpresa deixa a flanela de lado e vai até a porta abrindo apenas uma pequena fresta para avistar quem há visitava àquela hora.
Um homem de aparência por volta de 30 anos vestia as roupas dos "Correios" e vinha entregar uma caixa que não era muito grande, tinha uma aparência simples e não muito bonita, parecia ser leve pelo tamanho. O carteiro estava um pouco impaciente olhando no relógio deixando transparecer querer controlar seu horário.
Estranhando o acontecimento Rebecca dirige-se até o portão. Quem enviaria um pacote para ela? Afinal... Ora o que era aquilo? Abre o portão para o entregador sentindo uma estranha e repentina ansiedade
-Senhorita Rebecca? - O carteiro falava num tom de pressa e sonolência pela manhã que acabava de nascer.
- Sim, sou eu.
-Este pacote é para você, por favor, assine nesta linha. - Ele lhe entregava o pacote e uma prancheta com uma caneta azul típica dos carteiros modernos.
Rebecca assina rapidamente e quase arranca o pacote das mãos do carteiro voltando correndo para dentro.O carteiro se surpreende com o "pique" da moça e se inspira para continuar seu trabalho indo embora com sua Van amarela.
Enquanto isso Rebecca saíra correndo para dentro da casa vasculhar o que tinha dentro daquele estranho pacote, que a primeira impressão parecia ter apenas vento dentro. Fechando a porta atrás de si com estrondo corre para a sala puxando uma cadeira as pressas e quase a deixando cair, senta-se na mesma e começa a abrir o pacote retirando um estilete do porta-lápis.Depois de uma investida rápida no pacote, ela consegue finalmente abri-lo. A primeira vista parece ter várias tiras de jornal cortadas enchendo a caixa como se fosse de propósito para dar um certo volume... Mas ao fim da mesma um papel de cor azul chamava a atenção da senhorita. Era um envelope!
- Um envelope? Mandaram um envelope em uma caixa, mas que diabos é isso? - Pegando o envelope joga a caixa no chão fazendo com que as tiras de jornal se espalhassem ao mesmo tempo em que algo prateado se sobressai da beirada da caixa,
porém ela estava ocupada demais investigando seu envelope para perceber aquilo. Coloca-o contra a luz tentando saber o que havia dentro, mas sem sucesso, parecia haver algum tipo de papel muito espesso ou talvez houvesse muitas folhas devido ao volume do envelope, por fim o abriu e ainda mais confusa tirou de dentro uma passagem de trem, 100 euros e um passaporte com seu nome e foto. A passagem datava para dali três dias.
- O quê? Mas que espécie de brincadeira é essa?
Revirou o envelope e no seu canto inferior esquerdo avistou apenas cinco palavras “você sabe que é preciso.”  
Tremula, deixou as coisas sobre a mesa e ajoelho-se no chão começando a mexer na caixa em busca de um endereço.
- “ Rua Arlinghton 1678” – Era o que estava escrito na caixa, pegou sobre a mesa o papel que achara no café, exatamente a mesma coisa. Será que lhe fora enviado por engano? Mas era o seu passaporte que estava ali, será que alguém estava querendo lhe dizer alguma coisa? Será que aquele senhor também a conhecia?  Começou a temer pela própria vida.
Só então avistou o objeto prateado que caiu da caixa, era uma chave.
Tentando se tranqüilizar começou a pensar em hipóteses que considerava as mais absurdas, talvez aquele tal de Davis fosse um ator e na verdade estava sendo vitima de uma brincadeira sem graça. Talvez tudo aquilo fosse conspiração?
Naquele momento ouviu outra seqüência de batidas em sua porta e não pode conter um grito atemorizado, reação que a fez se arrepender terrivelmente.
- Rebecca, sou eu Davis! – Disse a voz de traz da porta.
Aquele homem estava em sua casa! Não, definitivamente não abriria a porta, ficou por alguns minutos imóvel, e o silêncio recaiu sobre a casa, percebeu que Davis também nem se moveu, não persistiu, porém também não foi embora, por fim foi até a porta e a entreabriu deixando espaço apenas para parte de seu rosto ser visto.
Davis deu um largo sorriso, deixando Rebecca um tanto envergonhada por estar fazendo aquilo, mas não o suficiente para fazê-la abrir a porta nem mesmo evitar as perguntas que viriam a seguir.
- Quem é você? O que quer? Por que está me sacaneando e principalmente, por que está em minha casa?
- Nossa! Vai com calma, que tal eu te levar pra tomar um café e conversarmos direito?
Rebecca fechou a porta violentamente antes mesmo de ouvir o fim da proposta, mas Davis pareceu não perder o bom humor.
- Tudo bem, eu espero até o almoço...


Capitulo 3

Os dois estavam sentados em uma mesa próxima a janela, enquanto ela degustava um saboroso risoto de camarão ele preferiu uma simples macarronada com frango.
Davis cumprira sua promessa e permanecera sentado na porta de Rebecca, que de vez em quando analisava o mais disfarçadamente possível se ele ainda estava lá, entretanto ele sempre parecia saber de seus movimentos e fazia algum comentário ou piada para mostrar-lhe que ainda estava ali.
Por fim ela desistiu, era exatamente meio dia quando ela abriu a porta arrumada e aceitou o convite de Davis, este beijou sua mão e lhe abriu a porta do carro sorridente.
Estranhou a gentileza, achava que ninguém mais fazia aquele tipo de coisa, mas sorriu sentindo-se lisonjeada.
O almoço transcorreu tranquilamente, Davis a fazia rir como há muito tempo não experimentava e algo ia despertando nela, ele certamente lhe lembrava alguém, mas não conseguia saber quem... Por momentos conseguiu esquecer-se de tudo, o pacote misterioso, a insegurança, a confusão.
Ele era tão doce que Rebecca sentiu-se mal pala maneira que vinha o tratando e decidiu deixar de lado o interrogatório.
As horas se passaram, depois do almoço sentaram-se em uma praça para conversar e por lá ficaram até começar a escurecer quando Rebecca se deu conta de que precisava voltar, Davis a levou de volta para casa despedindo-se carinhosa e educadamente.
Ao entrar em casa joga-se na cama repassando o encontro com Davis em sua mente, sorrindo abobadamente e rola na cama desejando gravar cada momento, ação e sorriso daquele galante homem. Só então lembrou-se do pacote que recebera,  pensou que deveria ter pedido um conselho a Davis, apesar de não conhecê-lo bem ele lhe passava uma estranha confiança e parecia saber o que fazer nessas ocasiões.
“Droga devia ter pedido o telefone dele ou uma forma de entrar em contato, agora já foi... Quando entrar em contato com ele novamente faço isso... Afinal ele parece estar sempre por perto.” 
Porém os dias transcorreram sem Davis dar noticia, Rebecca tentou até passar por lugares que o vira ou que ele poderia estar, nada. Assim o dia que estava marcado para sua viagem chegou, sem conseguir conciliar o sono levantou da cama às cinco da manhã, saiu para andar de bicicleta, arrumou a casa toda, porém não conseguia esquecer daquilo, sentia ser observada o tempo inteiro, talvez estivesse ficando louca, resolveu ir ao seu psicólogo.
Ao entrar no prédio foi encaminhada para a sala de espera pela recepcionista, como era de costume, cansada resolveu tomar uma água e acalmar os nervos antes de falar com o doutor, indo ao final do corredor percebeu a porta entreaberta, ele estava conversando com alguém.


“- ... Não sei, toda vez que ela me olha é estranho... Parece que vai lembrar a qualquer momento... Tem certeza? – dizia alguém parecendo bem angustiado
- Absoluta, já faz quinze anos, não há possibilidade de algo assim... - foi a resposta do doutor


Rebecca seguiu seu caminho tranquilamente sem dar muita atenção a conversa, após pegar seu copo com água se virou a tempo de ver quem saia da sala do doutor.
- Davis! – Rebecca estava feliz e surpresa
Davis levantou a cabeça e por uma fração de segundos podia-se perceber um misto de surpresa e hesitação no seu olhar.
- Rebecca – ele sorriu – O que faz aqui?
- Eu sou paciente do doutor Dirceu e você? Não me lembro de tê-lo visto aqui antes... Embora eu não seja realmente muito freqüente...
Davis faz menção de responder, mas Dirceu sai da sala naquele momento e os interrompe.
- Senhora... Ou melhor... Senhorita Torres, há quanto tempo. Queira entrar por favor – o doutor sorria amavelmente e olha de relance para Davis.
- Bem, até mais Rebecca – diz o rapaz se afastando antes mesmo que ela pudesse responder.
Sentada confortavelmente a frente do doutor Rebecca relata absolutamente tudo o que lhe perturbava.
- O que devo fazer? E se minha vida estiver correndo perigo? Esses dias... Parece que alguém me observa o tempo todo e...
- Calma, calma... Você está ficando paranóica, veja, pode ser melhor você viajar mesmo, para poder descansar, entretanto não para esse lugar. É óbvio que alguém está fazendo uma brincadeira de mau gosto. Vá à uma praia, um SPA, algum lugar que possa relaxar... – O psicólogo revira o bolso a procura de algo e dele retira um cartão de visitas – Veja esse é o número da minha irmã, ela tem uma casa de praia um ótimo lugar para se descansar, tenho certeza que ela ficaria muito feliz em recebê-la, sendo o lugar muito afastado de tudo ela não tem com quem conversar.
Rebecca hesita com o cartão na mão – Tem certeza que não será muito incomodo?
- Claro que não, ela adora fazer amigos, vá, aproveite.  Bem... Nosso tempo acabou, me conte quando voltar de sua viajem, certo? – Levantou-se e estendeu a mão a qual a garota apertou e saiu da sala, embora Dirceu tenha tentado ajudá-la não se sentia muito melhor. Foi para casa ainda preocupada.
Dirceu esperou alguns minutos, ligou para sua secretária e pediu para desmarcar as consultas, logo em seguida abriu a porta do consultório, observou o corredor como se procurasse alguém e tornou a fechá-la. Pegando o celular particular fez outra ligação.
- Preste atenção. Vamos ter que acelerar as coisas... Não, está tudo em ordem... Mas pode não ficar se adiarmos mais um dia. Prepare-se e me encontre daqui à uma hora.


Capitulo 4

 Rebecca estava sentada em um confortável sofá de uma sala suntuosa espremendo as mãos sobre um nervosismo contido. Resolvera seguir o conselho de Dirceu e naquele momento observava uma senhora de rosto abatido, com fios branco que  se sobressaiam a seus longos cabelos negros, os olhos se espremiam e um sorriso gentil se estampava enquanto ela servia o chá.
- Então você é a Rebecca... – iniciou a senhora sentando-se no sofá e quebrando o incomodo silêncio - Meu irmão me falou de você, fico feliz de tê-la em minha humilde casa.
A jovem olhou ao redor pensando em quanto adoraria poder ter uma humildade daquelas também.
Como se lesse seus pensamentos, a anfitriã dá uma risada gostosa.
- É realmente adorável aqui não é querida? Às vezes sinto falta de alguns vizinhos para me perturbar, mas definitivamente nunca deixaria esse lugar.
Rebecca sorri sem graça e agita a cabeça concordando.
- A senhora mora sozinha Dona Lurdes?
 - Oh, não, não, meu amado Raul também vive aqui, deve chegar daqui a pouco, trabalha muito sabe, meu marido.
- Compreendo... – toma um pouco do chá e não pode conter um prolongado bocejo.
Lurdes leva a mão ao rosto em um gesto descontraído.
- Que indelicadeza a minha! Você acabou de chegar de viagem deve estar morta de cansaço.
 Rebecca tenta protestar, porém realmente sentia o cansaço pesar-lhe naquele momento. Lurdes mostra a suíte em que ficaria e logo se afasta dizendo para a visitante que tome um bom banho e durma, pois no dia seguinte teriam muito que fazer e ver.
Sentada na cama secando os cabelos a jovem tentava pensar, Lurdes era muito simpática e bondosa lhe acolhendo daquela forma na casa dela, mas mesmo assim não conseguia afastar um sentimento ruim e a sensação de que havia algo de muito bizarro naquela mulher, porém a aquela altura já desconfiava até da própria sombra.
Decidida a relaxar e aproveitar ao máximo aqueles dias de folga ela termina de arrumar algumas coisas e deita-se sentindo a cabeça girar.
Rebecca acorda com um pouco de dor de cabeça, tivera um sonho estranho onde Lurdes e um homem loiro de olhos fundos, estavam em volta de sua cama observando-a dormir com sorrisos malignos, discutindo coisas que ela não conseguia entender.
Tomou um demorado banho tentando se livrar de todo aquele sentimento ruim, descendo para tomar café, logo após.
Não havia ninguém em casa, mas a mesa estava muito bem posta com café e bolo ainda quentes. Desejava procurar a anfitriã, pois não se sentia a vontade de mexer nas coisas sem ao menos ela estar por perto, porém seu estomago não concordava com a idéia, suspirando contrariada senta-se a mesa e se serve. Enquanto degustava seu café Lurdes entra na cozinha limpando as mãos no avental e deixando de lado seu chapéu.


- Já acordou querida?! Como passou a noite? – Diz a senhora com um sorriso amável.
- Muito bem, obrigada, desculpe Dona Lurdes não pude resistir ao maravilhoso cheiro de sua comida.
- Que bobagem, eu que tenho que me desculpar por tê-la deixado só, o jardineiro me chamou as pressas, esses empregados fazem tempestade em copo d’água. Espero que a comida esteja boa.
- Está deliciosa, a senhora é uma cozinheira de mão cheia.
- Obrigada meu anjo – Lurdes ri, balança a cabeça e se põem a lavar a louça – 


Quando acabar iremos dar uma volta quero que conheça um lugar maravilhoso que temos aqui.
O local ao qual Lurdes se referia era meio afastado da casa, um pouco difícil de chegar, porém ela não tinha exagerado sobre sua beleza, as ondas do mar arrebentavam nas rochas, quase totalmente coberto por verde e no topo dele uma vastidão de jasmim de várias cores e formas. De lá de cima dava para ver a praia e pequenas casas ao longe.
- É um ótimo lugar para se fazer piqueniques, meditar ou simplesmente aproveitar a vista – Dizia Lurdes indo até a beirada e respirando fundo – sem contar que o perfume daqui compensa todo o cansaço da vinda.
- Tem toda a razão! – Rebecca estava com as mãos nos joelhos respirando com dificuldade devido ao grande esforço que fizera para chegar até lá, não era muito habituada a exercícios, se reergueu e aspirou intensamente o perfume dos jasmins logo após sorrindo para a interlocutora.
Ficaram por ali conversando distraidamente até perceberem que a tarde já se adiantava e tranquilamente puseram-se de volta a casa. Neste momento as desconfianças de Rebecca quanto a simpática senhora já não mais existiam. Lurdes lhe contara tudo sobre sua vida, o quanto adorava seus sobrinhos, o sofrimento de descobrir que era infértil e como isso lhe custou seu primeiro casamento, agora casada com Roger não tinha dúvidas de que ele a amava, mas o relacionamento não era mais o mesmo, ele quase não parava em casa. Suas estórias eram sempre acompanhadas de uma fungada ou um suspiro resignado, amparados pelas palavras de consolo e exclamações piedosas da outra.
O almoço estava tão delicioso quanto o café da manhã. As duas passaram o resto da tarde entre risos e mexericos enquanto Lurdes ensinava sua hospede os segredos do bordado e lhe apresentava algumas bandas de sua preferência. Aquilo despertava em Rebecca uma sensação de familiaridade.

Acordara atrasada no dia seguinte, levantou-se correndo, sabendo que Lurdes primava a pontualidade na hora das refeições, depois de se arrumar praticamente deslizou pelo corredor e tropeçou escada abaixo, mas estancou abruptamente ao ver uma figura parada ao pé da escadaria, com todo o barulho que fizera o homem voltou-se para ela tentando entender o que estava acontecendo.
Rebecca empalideceu e sentiu seu corpo congelar,  era o homem que via em seus sonhos, gorducho, cabelos grisalhos e uma cara amassada.

Com um sorriso afável Raul se voltou para vê-la e Rebecca pode ver a figura de seus sonhos se tornar realidade bem na sua frente, Lurdes percebendo que sua hospede já tinha descido se apressou em apresenta-los.
Aquele fora o dia mais estranho que vivera por ali, parecia ser observada o tempo todo e não conseguia afastar a sensação de estar dentro de mais um sonho maluco. Tudo aquilo era muito estranho porque Lurdes parecia falar alguma coisa que ela não ouvia e seu marido apenas gesticulava, imersa em seus pensamentos não percebeu quando a faca que cortava o pão deslizou de sua mão para o chão deixando um rastro de sangue atrás de si, só o notou quando surpreendentemente seus anfitriões pularam da mesa, estabanados e correram em seu socorro a deixando exasperada por um momento, tudo acontecera tão rápido que ela mal conseguiu ver, então Lurdes apertava um pano de prato molhado em sua mão e Raul correra para o quarto para pegar o kit de primeiro socorros, Rebecca tentou falar, acalmá-los, afinal era apenas um corte e deveria ser bem superficial, pois ela mal sentia, mas eles não a escutavam e no fim de tudo acabou com um curativo que mais parecia uma atadura, certamente teria que tirar tudo aquilo antes de dormir, quando eles não estivessem vendo e inventaria uma desculpa qualquer no dia seguinte. O dia correu tranquilo a partir dai. Raul estava menos irreal e sinistro e lhe contava como era seu trabalho no hospital e o porquê de os dois não terem se visto a semana toda, já que eles moravam no interior e o hospital ficava muito distante então Lurdes sugerira a ele que passasse os dias de semana lá em uma pousada o que fazia ele só estar em casa de domingo.


Acordou no meio da noite soando, deixara as janelas fechadas por causa da chuva que começou no final da tarde, sentou-se na cama um pouco desorientada e procurou pela jarra de água que Lurdes prestativamente enchia todo os dias e colocava em seu quarto, seu quarto... Era uma forma estranha de pensar... A casa não era sua, estava se acomodando isso significava que essas férias tinham que acabar o quanto antes ou dali a pouco estaria deitando no sofá ou reorganizando os móveis... A jarra... A jarra estava vazia desta vez. Gemeu e se remexeu na cama exasperada, sair da cama aquela hora era um suplicio, mas do jeito que estava não podia ficar, não conseguiria voltar a dormir direito se não bebesse água. Vagarosamente deslizou para fora da cama, abriu as janelas e cambaleou para fora do quarto, a casa estava imersa na penumbra, mas por ter acordado em meio a escuridão seus olhos não estranharam. O quarto ao lado pertencente a Lurdes estava silencioso, o que era de se esperar devido ao horário, desceu as escadas sem produzir ruídos, para não acordá-los e procurou um pouco desnorteada a cozinha quando enxergou uma pequena luz vinda do, assim batizada por Lurdes, “escritoteca”, através dela localizou a cozinha. Deviam ter esquecido a luz acesa, ela pensou.
Assim decidiu-se a seguir sua rota original, já que a luz acesa seria um conveniente ponto de referência.

Mas seus planos não seguiram em frente. Quando se encaminhava para a cozinha ouviu vozes vindas da escritoteca e arrepiou-se. O escuro não era um bom cenário para se ouvir vozes, principalmente na casa de outras pessoas. Só então cogitou a possibilidade que as vozes poderiam ser de Lurdes e Raul. Normalmente seguiria em frente, entraria e sairia da cozinha sem fazer barulho, para não atrapalhar, porém algo lhe chamara a atenção. Tinha certeza que ouvira seu nome e nesse momento toda a educação e regras de comportamento se esvaíram, não pode deixar de ir para trás da porta.
Sentiu a palpitação e nervosismo, como uma criança que fazia algo que não devia.
- ELA precisa saber.
- Droga! Não podemos deixar essa pobre garota em paz? Rebecca não lembra-se de nada.
- Não me interessa, ELA precisa saber e Rebecca não lembrar é nosso trunfo, será mais fácil assim.


A moça ficou confusa, pensava não estar ouvindo direito, chegou mais perto.


- Você não tem nada que ficar se apegando a essa garota, é apenas uma cobaia e que vale milhões, depois você pode comprar um cachorrinho se quiser, com o dinheiro que irá lucrar.
- Você sabe o que vão fazer se souberem que a garota esteve aqui e deixamos...
- Eu sei! Droga! Pare de me pressionar! – Lurdes interrompe
- Nós temos um acordo!
- Não!
- É o combinado!
- Que se dane o combinado, eu achei que ia dar certo, mas não é assim que funciona, Rebecca não merece aquele lugar e o que vão fazer a ela.
- Cale a boca Lurdes, se está indo contra ELA irá se arrepender.

As vozes cessaram e o silêncio se abateu apenas por alguns segundos, interrompido pelo som de algo se quebrando. Rebecca sentiu novamente o nervosismo e antes que pudesse correr a porta se abre revelando Lurdes um tanto pálida e Raul equilibrando-se para se levantar.
Ao se verem os três paralisam, porém Lurdes logo volta a si, pegando Rebecca pelo braço põem-se a correr.
Tudo fora tão rápido e confuso, Rebecca não teve nem tempo de gesticular, se desculpar ou perguntar. Quase não conseguiu correr, antes mesmo que alcançassem a porta de saída da casa ouviu-se um estampido e como em um desastre súbito foram ao chão.
Tudo o mais ocorreu em fleshs, muito sangue... Raul vindo na direção delas portando uma arma... O sangue não era dela...

- Filha.... Me perdoa... Fuja...

Lurdes estava morta... Rebecca tentando se arrastar... O homem corpulento agachou-se, segurou os cabelos de Rebecca e obrigou-a a se levantar, arrastou-a até a sala, e logo depois ela não viu mais nada.

Capitulo 5

Rebecca acorda ofegante, sua cabeça doía e tivera um pesadelo horrível, porém pensando melhor não conseguia lembrar-se realmente dele.

Os raios solares já invadiam plenamente o seu quarto fazendo a moça recriminar-se por ter dormido até tão tarde. Tinha a estranha sensação de que algo acontecera a sua anfitriã, mas não sabia o que, nem porque tinha aquela impressão, mesmo assim não conseguia livrar-se dela.

Mesmo tendo acordado tarde ainda sentia-se sonolenta, como se houvesse passado a noite em claro, resistindo para levantar ouviu batidas na porta.

- Pode entrar... – Permitiu sem entender bem o que acontecia.

A mulher baixa de cabelos negros e grandes olhos verdes, esboçava um largo sorriso enquanto vagarosamente abria a porta do quarto e olhava para dentro.

- Bom dia querida, você não foi tomar café, então trouxe-o até você. – Abrindo a porta com a lateral do corpo levando uma mesinha até a cama.

Rebecca soergueu-se na cama agitando os cabelos e sorrindo.

- Bom dia Lurdes... É muita gentileza... – A menina é interrompida por um bocejo e esfrega o rosto com as mãos, nesse momento um lampejo lhe vem a mente e parando seu movimento volta a olhar a senhora sentada a sua frente. -... sua... Você está tão – outro lampejo fazendo-a se assustar, sacudindo a cabeça – bonita.

- Ah, obrigada querida! Que doçura. O que quer fazer hoje?

Rebecca leva algum tempo para responder a pergunta.

- Vamos passear... Gostaria que me mostrasse um local...

- Claro! Após o café se apronte que saímos.

Assim foi feito. Rebecca não tinha muita certeza de nada naquele momento, só de que algo não estava direito, não estava se encaixando e ela não conseguia sossegar quando algo estava em desordem, quando ocorria coisas que não podia compreender ou controlar. Voltava a sentir a tensão que sabia já ter sentido antes, mas não quando. Sua dificuldade por lembrar das coisas a irritava, por isso passou metade do passeio calada, até resolver colocar seu plano de ação em prática.

Olhou ao redor, já passara por ali, todo aquele espaço lhe era familiar, viu-se procurando por algo inconscientemente, o que seria? Flores... Tanto verde e nenhuma flor...

- Lurdes, onde há flores por aqui?

A senhora pareceu surpresa com a pergunta, tentou ganhar tempo sobre ser outono e não haver flores naquela estação, mas Rebecca se deparou com um morro e parou aos pés dele, olhando para a direita via as ondas do mar arrebentarem, a esquerda, após a areia, apenas verde.

 Em um momento de distração de Lurdes só foi rever Rebecca a meio caminho do topo daquele morro. Praguejou ter tirado os olhos dela e correu atrás da menina, já no topo a vastidão de jasmim apresentou-se com suntuosidade e formosura, de alguma forma sabia que acima daquele morro se preservava uma das mais belas vistas, embora isso a deixasse mais confusa, pois tinha certeza que nunca estivera ali... Ou será que não? Céus, estaria ficando maluca? Ou isso faria parte da sua vida antes do hospital?

Lurdes alcançou-a arfando.

- Oh, estou ficando velha! – corrigindo a postura olhou ao redor – Belo local para um piquenique... Como conhecia este lugar?

- Não sei... – Rebecca respondeu mais para si mesma. A frase “belo local para um piquenique” girava em sua cabeça provocando mais fleshs, notou então que Lurdes estava falando e tentou prestar atenção no que ela dizia.

-... Saindo, quero levá-la a um lugar depois daqui, tenho certeza que você vai adorar, é semelhante ao...

Rebecca assentiu com a cabeça ignorando o resto da dissertação de Lurdes sobre o aspecto do local que queria levá-la em seguida.

Sem descobrir alguma outra utilidade para elas colocou as mãos nos bolsos. Sentindo algo espesso em seus dedos puxou-o para cima. O papel! Lembrou-se do evento no café, reexaminou aquele papel com endereço envelhecido na ponta... Rua Prado 1678... O papel embrulhava algo metálico logo revelando-se a chave que viera dentro da caixa.

Com os pensamentos a mil, interrompeu a senhora com uma pergunta vinda da ideia que lhe inquietava a mente.

- A quantos metros acha que estamos? – Indagou olhando para baixo e colocando mechas de seu cabelo atrás da orelha.

- Eu não sei... Uns... Vinte... Trinta metros... Por quê?

- Desculpe Lurdes... Teremos que remarcar nosso passeio – Em um movimento rápido e imprevisível, Rebecca saltou e antes que se pudesse perceber foi engolida pelas ondas.

- Mas... O quê? Droga! – Corre para a beirada na esperança de avistar a menina, sem sucesso, Raul foi ao encontro da mulher.

- A desgraçada pulou? Não acredito! O que deu nela?

- Eu não sei Raul, mas estamos ferrados! Vou chamar reforço, temos que encontrá-la ou pedirão nossas cabeças.

- Belo trabalho você fez substituindo aquela velha idiota – Raul disse sarcástico.

- Não venha colocar a culpa em mim, fiz o que pude! Você que não deve ter apagado a memória dela direito.

- Não me diga como fazer meu trabalho!

- Isso não vai levar a lugar nenhum. Só estamos perdendo tempo discutindo. Ligue para ELA, eu vou pegar a lancha.

I

A água gelada lhe atingiu cruelmente, provavelmente castigando-a pela péssima ideia. Despreparada foi arrastada violentamente pela maré se chocando contra algumas rochas, sentindo uma dor seguida por dormência no braço esquerdo, impulsionou com as pernas para a superfície tomando bastante fôlego.

 Com o braço direito e as pernas debateu-se até alcançar a praia deixando que as ondas fizessem o resto do trabalho e te arrastasse para a areia.

Tremendo de frio ouviu o ruído de uma lancha e soube que não poderia perder tempo, levantou-se cambaleante e correu desnorteada procurando por uma rua principal, uma avenida. Encontrou vinte minutos depois, cerca de 50 metros da casa de Lurdes.

Sua vida estava de pernas para ar, seu raciocínio lógico extinguira-se, ao menos era o que pensava, agia de forma instintiva, e seus instintos lhe diziam para afastar-se daquele local o mais rápido possível.

Arrependia-se de ter deixado suas coisas na casa de Lurdes, apesar de suas roupas já estarem secas não eram confortáveis após um mergulho no mar, mesmo assim deveria ficar feliz por ao menos estar vestida.

Lembrou-se que sempre deixava algum dinheiro no bolso de trás de suas calças, trocos que eram acumulados, nunca tentou perder o hábito porque normalmente aqueles trocados costumavam te ajudar em uma situação difícil, porém sabia que com certeza ali não teria a soma para uma passagem de avião.

Colocou a mão no bolso e tirou dele algumas notas, talvez pudesse pagar a passagem do trem, entretanto teria que percorrer o longo caminho até a ferrovia a pé ou não teria dinheiro suficiente.

Assim, era uma hora da tarde quando a figura abatida e suada adentrou o salão, seu casaco estava amarrado na cintura e ela respirava pela boca.

Entrou no banheiro, lavou o rosto e molhou os cabelos. Certificando-se de que não havia nada em seus bolsos jogou o casaco no lixo.

Olhando-se no espelho analisou seu braço, não doía mais e não tinha uma marca sequer, respirando fundo começou a formular um plano em sua mente, certamente a procurariam, precisava mudar ao menos o mais superficial, sorriu enquanto uma ideia se iluminava, deixou o banheiro as pressas.

Espantou-se com seu próprio cinismo, voltando do achados e perdidos, vestia uma camisa de coração, um casaco de lã um pouco velho e um chapéu masculino. Sabia que as pessoas sempre perdiam essas coisas, não conseguiu “encontrar a sua” calça, então permaneceu com a que estava usando.

Se alguém lhe contasse essa mesma história pensaria que esta é louca e paranoica, mas naquele momento não tinha tempo para pensar em nada, comprou a passagem para o mais perto de sua casa possível, embora, onde estava o mais perto não era nada perto.

Sentada no banco do trem ainda cansada e nervosa, mexendo nos bolsos de seu casaco achou uma carteira de cigarros praticamente vazia e uma bolsinha de dinheiro em igual estado, continha mais recibos do que dinheiro, mas tinha dinheiro e isso era bom.



Capitulo 6

Dirceu falava irritado pelo celular, de cima do morro girou o dedo indicador sinalizando para Lurdes retornar.

A mulher não demorou a atender, fez a curva com a lancha e desceu no decke pertencente ao depósito de materiais aquáticos.

Encontraram-se Raul, Dirceu e Lurdes na estrutura e olharam-se significativamente, e apesar de não dizerem nada todos sabiam, um após o outro agitaram a cabeça de um lado para o outro.

- Vamos para a ELA – quebrou o silêncio Dirceu, ao que todos concordaram embora receosos.

Raul torceu as mãos aflito.

- O diretor nos matará!

- Cale a boca Raul, se há algo errado precisamos contatar imediatamente a ele, e com certeza vocês merecem morrer depois de uma estupidez dessas. Ela estava com vocês o tempo todo, confiando em vocês, eu a mandei direto para vocês. E o que vocês fizeram? A perderam!

- Acho que você pode poupar o seu sermão e deixar que Mendes o faça. – sussurrou Lurdes de cabeça baixa.

Dirceu a olhou repreendedor, mas sorriu e os fez entrar no carro.

III

- Não... Lurdes... Você não é a Lurdes... O que querem... – Rebecca acorda com o solavanco do trem, ainda sonolenta viu que estava próxima de seu destino, por isso decidiu não dormir mais, esfregando os olhos lembrava de partes do seu pesadelo, bocejou e observando seu reflexo na janela arrumou os cabelos.
Sentindo o calor lhe oprimir deixou o velho casaco de lã no banco, tirando antes de dentro a bolsinha de dinheiro.
Devido à distância que descera ela pega um táxi para casa e no portão pede para o homem esperar, pois ela buscaria o dinheiro.
Revirando os bolsos percebeu que não estava com a chave, bateu na própria testa e passou a mão pelos cabelos impaciente. Como poderia entrar em casa? Respirou fundo e fechou os olhos, tentando conter o desespero, depois de tanta coisa não poderia se dar ao luxo de entrar em pânico. Voltando a abrir os olhos percebeu que sua porta na verdade estava entreaberta.
Seu coração descompassou, não conseguia respirar, as pernas bambearam, mas antes que suas pálpebras pudessem se fechar, abriram-se novamente auxiliados por uma força extra que nem ela mesma sabia possuir. Olhando ao redor agarrou-se ao vaso que mantinha na porta de sua casa e em um solavanco se projetou violentamente para dentro de casa. 
Não viu nada a sua frente, apenas procurava pela pessoa que invadira sua casa, passou cômodo a cômodo, deixando o vaso na sala e pegando uma estatueta, deixando a estatueta na cozinha e pegando uma faca e uma frigideira. Suas precauções foram em vão, não havia ninguém em lugar algum, só então se deixou examinar tudo e foi acometida novamente pelo pânico, sua casa fora revirada, cadeiras tombadas, porta retratos e bibelôs quebrados, gavetas no chão e roupas por toda parte.
Vencida deixou-se cair de joelhos no chão com as mãos no rosto, se antes tudo parecia pura paranoia, agora se comprovava real, e ela não podia suportar isso.
Seus ombros subiam e desciam devido a seu choro convulsivo, e uma dor queimava seu peito. Esse ritual perdurou por longos minutos, sendo interrompido pela aproximação de alguém, que se não fosse o seu descuido, em pisar nos cacos de vidro, não seria notado.
A moça emudece, contraindo-se e engolindo o pranto. Retira as mãos do rosto lentamente temendo o que poderia ver, mas a figura que mostrou-se a sua frente a fez soltar um suspiro. Embora fosse estranho, sentia-se aliviada por ser ele e mais ninguém ali.
- Desculpa... Eu estava passando e... A porta–
- David... – Rebecca o interrompeu, ainda com um soluço preso a garganta e os olhos cheios de lágrimas não conseguiu dizer mais nada e sentindo sua fragilidade David também não disse, apenas foi até ela e a abraçou com força, permanecendo daquele jeito agachado e abraçado a ela, até perceber que os soluços cessaram.

Só então lembrou-se do taxista que esperava por seu pagamento na porta. “Céus o tempo que ele passou me esperando, irá me cobrar uma fortuna!”
Sem dizer nada levantou-se  rápida e estabanada correndo até a porta e deixando para trás um David confuso e assustado.
Parou inesperadamente, agora mais confusa que David...
- O... O taxista... Estava aqui... Onde?
- Ah! Aquele homem, quando eu estava chegando estava indo embora dizendo que tinha mais o que fazer, dei alguns trocados a ele para pagar sua corrida.